Resgatando uma postagem realizada dez anos atrás, no antigo blog do Speedtrap Podcast
O que você estava fazendo na manhã deste dia, 20 anos atrás?
Postagem original realizada no dia 1º de Maio de 2014
Eu lembro deste dia claramente. Era um domingo quase como outro qualquer. Eu tinha 16 anos e era um expectar casual da Formula 1. Claro que, na época, como boa parte dos brasileiros, eu admirava muito o Ayrton Senna. Um brasileiro que competia e ganhava em um esporte tão incomum para a realidade brasileira.
Mas como eu ia dizendo, era um domingo, quase como outro qualquer. Naquela época eu tinha uma bicicleta que eu mesmo montei praticamente do zero. Juntei um quadro, mandei colocar raios faltantes nas rodas velhas, troquei os pneus, colquei os pedais e a corrente, troquei o guidão e pintei ela toda eu mesmo, para esconder e ferrugem da idade. A bicha pesava uma tonelada e a roda traseira nunca ficava realmente firme, sendo gradativamente puxada para frente pela corrente, até eventualmente empenar, bater no quadro da bicicleta e me fazer estabacar no chão, como tranco da travada. Bons tempos.
Enfim, naquela mesma época havia uma loja de bikes, em um posto de gasolina próximo à casa de uns primos que moravam perto de mim, que promovia eventualmente passeios ciclísticos pelas ruas do bairro. Tudo organizado e agendado, com apoio de viaturas da polícia para fazer os bloqueios necessários e a escolta de segurança. Naquele domingo de 1º de Maio de 1994, estava marcado um passeio desses, com saída prevista para as 10h da manhã.
Para a ocasião eu já tinha pernoitado na casa dos meus primos, já estando de pé bem antes desse horário. Aproveitei então para ver o início da corrida, que se iniciava às 9h, para esperar até a hora da saída do passeio. A princípio me pareceu uma corrida como outra qualquer, apesar de ficar surpresa ao ver os comentários dos narradores (não lembro se era o Galvão, naquele dia) sobre o acidente do Rubens Barrichello, dois dias antes (então ainda um brasileiro das equipas nanicas como muitos outros que já passaram na F1), e da morte do Rolland Ratzenberger, na qualificação do dia anterior.
Então deu-se a largada. Ayrton tinha feito a pole, Michael Schumacher, ainda um relativo novato com poucos anos de experiência na categoria, largava em segundo. Não lembro exatamente como cada volta se desenvolveu, mas vi cada uma delas. Tivemos um safety car logo de cara, por conta do choque entre J. J. Lehto e Pedro Lamy. O SC ficou pouco tempo na pista e já na quarta volta houve e relargada.
E duas voltas depois, ocorreu então o evento do qual todos lembraríamos com pesar.
Lembro bem desse dia. Claro, não todos os detalhes, mas os momentos que me marcaram até hoje. O acidente aconteceu, mas acidentes na F1 não era tão incomuns assim e não são até hoje. Já vimos acidentes espetaculares, com carros catapultados como o que vimos este ano mesmo, com o Gutierrez no Bahrain. Tendo visto replays da batida do Barrichello dois dias antes, que foi bem mais chocante, visualmente, achei que a batida do Senna até tinha sido forte, mas nada tão preocupante quanto a própria batida do Rubens. Até então achava que estava tudo bem.
Só que ele não saiu do carro.
Ele aparentemente não se mexia. Vi na TV as equipes de resgate chegaram até ele, para socorrê-lo, mas eu ainda achava que, apesar de tudo, ele estava ok. A corrida seguiu paralisada até quase as 10h, mas no meio desse atendimento na pista eu já tinha saído com os meus primos para esperarmos a saída do passeio, no final da rua deles.
O passeio foi super divertido, um grupo de centenas de ciclistas reunidos, de todas as idades, bicicletas de todos os tipos, algumas profissionais, com inúmeras marchas. E outras daquela sem marcha alguma, como a minha. Alguns condutores todos aparamentados, com joelheira, cotoveleira, capacete, roupa própria para ciclismo. Outros, como eu, de chinelo, bermuda e camiseta. O caminho tinha poucas ladeiras, e as que haviam no caminho eram com inclinação bem suave, então foi tranquilo de acompanhar. Ele durou aproximadamente uma hora e meia, terminando na hora apropriada para dar tempo de chegar em casa morrendo de fome e na hora certa para almoçar. O término do passei se deu dentro do Abrigo do Cristo Redentor, em Higienópolis, ao lado da 21ª DP (Bonsucesso).
Ainda lá dentro, com todo mundo já se dispersando e voltando para as suas casas, dois vizinhos dos meus primos chegaram às pressas, anunciando: “Cara, o Senna morreu!”. Claro que na hora achei que eles estavam de brincadeira com a gente, que não ficamos para ver a corrida. Eles insistiam nisso e eu só ignorava, rindo da “piada” deles.
Infelizmente não era piada.
O choque de realidade aconteceu assim que voltei para a casa dos meus primos, e vi na TV as notícias constantes sobre o grave estado de saúde do piloto. Até então a morte não havia sido confirmada, era tudo especulação. Mas fiquei realmente preocupado que aquele acidente, que havia desconsiderado mais cedo, pudesse ter sido realmente algo grave. E, para a tristeza de todos os fãs, e até mesmo daqueles que até então não se consideravam tão fãs assim, a notícia de seu falecimento se confirmou.
Eu fiquei chocado com a notícia. Como assim, Senna morreu? Não podia ser, isso não poderia ser verdade, eu estava sonhando e quando acordasse no dia seguinte, tudo estaria de volta ao normal. Mas era verdade. Não era um sonho. Era a realidade, pura e triste. Senna estava morto, e depois daquele dia as manhãs de domingo nunca mais seriam as mesmas.
Depois daquela dia parei de acompanhar as corridas, se algum dia eu já me considerei um espectador relativamente assíduo da Formula 1 nas manhãs de domingo. Não via mais sentido em acompanhar, as manhãs de domingo já não tinham mais a mesma graça de antes, mesmo eu não sendo um espectador tão assíduo assim. Por anos e anos, quase 20 deles, eu acompanhava basicamente só pelas notícias nos telejornais, pelo resumo no Fantástico do dia. Uma ou outra vez vendo as corridas que por acaso pegasse passando, quando levantava e ligava a TV.
E foi nessa de uma ou outra vez que aos poucos fui reconquistando o gosto pela velocidade, pela competição, por torcer para um brasileiro. Voltei a assistir regularmente quase que por capricho, pois em agosto de 2008 havia assinado o pacote de alta definição de uma TV à cabo, de olho nas Olimpíadas de Pequin, e quis conferir como seriam as transmissões da F1 vendo por ela. Desde então, praticamente não perdi uma corrida sequer. Vi a quase consagração do título do ano para Felipe Massa. Vi no ano seguinte o incrível desempenho de uma equipe que era praticamente um nada, até o ano anterior, consagrando o campeonato para o companheiro do Rubinho. Vi um acidente com o Massa que me deu flashbacks daquele dia, 20 anos atrás. Por volta dessa mesma época surgiu um podcast falando exclusivamente de F1, o Capacete, que eu adorava ouvir. Em 2011 Passei a integrar a equipe do podcast, que em 2012 deu lugar ao Speed Trap, que segue firme e forte até hoje, para o deleite de nossos ouvintes.
Não sei se Senna foi o maior, mas com certeza foi, e para sempre será, um ícone.
A vida continua. Ela sempre continua. O tempo é o melhor remédio. Mas para sempre continuaremos a sentir saudades do grande Ayrton Senna do Brasil.
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